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Revista Brasileira de Psiquiatria

Canabidiol, um componente da Cannabis sativa, como um ansiolítico

Revista Brasileira de Psiquiatria revela que estudos com modelos animais de ansiedade e envolvendo voluntários saudáveis sugerem claramente que o CBD possui efeitos ansiolíticos. Além disso, o CBD mostrou-se capaz de reduzir a ansiedade em pacientes com transtorno de ansiedade social.


Introdução

Cannabis sativa é a droga de abuso mais utilizada em todo o mundo, e cerca de 20% da população mundial de jovens a usam de forma abusiva e regular. O principal componente psicoativo da planta é o delta-9-tetrahidrocanabinol (Δ9- THC), uma das substâncias responsáveis pelos efeitos psicoativos da maconha. O canabidiol (CBD) é outro composto abundante na Cannabis sativa, constituindo cerca de 40% das substâncias ativas da planta. Os efeitos farmacológicos do CBD são diferentes e muitas vezes opostos aos do Δ9-THC. O número de publicações sobre o CDB aumentou consideravelmente nos últimos anos e sustenta a ideia de que o CBD possui uma gama de possíveis efeitos terapêuticos; entre essas possibilidades, as propriedades ansiolíticas e antipsicóticas se destacam. Os efeitos ansiolíticos do CBD são, aparentemente, semelhantes àqueles dos medicamentos aprovados para tratar a ansiedade, embora suas doses efetivas não tenham sido claramente estabelecidas e os mecanismos subjacentes a esses efeitos não sejam totalmente compreendidos. A baixa afinidade do CBD para neurorreceptores canabinoides e suas propriedades agonistas nos receptores 5-HT1A foram demonstradas repetidamente. A maioria dos estudos sobre o CDB foi realizada em roedores, mas estudos usando amostras de seres humanos também forneceram resultados promissores. Portanto, o objetivo deste trabalho foi revisar a literatura científica sobre as propriedades ansiolíticas do CBD em animais e em seres humanos.


Método

Os artigos selecionados para esta revisão foram identificados por meio de buscas em inglês, português e espanhol em bancos de dados eletrônicos ISI Web of Knowledge, SciELO, PubMed e PsycINFO e combinando os termos de busca “canabidiol e ansiolítico”, “canabidiol e semelhante ao ansiolítico” e “canabidiol e ansiedade”. Além disso, as listas de referências dos artigos selecionados, revisões da literatura e capítulos de livros relevantes foram pesquisadas manualmente em busca de referências adicionais. Estudos experimentais com amostras humanas e animais foram incluídos e não houve limite de tempo. Buscamos excluir os estudos que avaliaram o fumo de Cannabis, pois não é possível estabelecer a dose, a composição e a proporção dos diferentes canabinoides nesse caso, além das grandes variações individuais nas amostras inscritas. Por fim, não incluímos estudos utilizando extratos contendo tanto THC como CBD na forma oral (Cannador®) ou de spray bucal (Sativex®) devido à dificuldade de estabelecer os efeitos somente do CBD.


Estudos em Humanos

A primeira evidência dos efeitos ansiolíticos do CBD em humanos, documentada com escalas de avaliação, foi publicada em 1982 em um estudo sobre a interação entre CBD e THC.7 A amostra do estudo foi composta por oito voluntários com idade média de 27 anos, sem problemas de saúde e que não haviam usado Cannabis sativa nos últimos 15 dias. Em um procedimento duplo-cego, os voluntários receberam CBD, THC, THC + CBD, diazepam e placebo em diferentes sequências e dias. Os resultados mostraram que o aumento da ansiedade após a administração de THC foi significativamente atenuado à administração simultânea de CDB (THC + CBD). Com base nessas evidências preliminares, os pesquisadores decidiram investigar uma possível ação ansiolítica do CBD na ansiedade induzida experimentalmente em voluntários saudáveis usando o modelo de simulação de falar em público (SFP).32 O procedimento consiste em pedir ao sujeito para falar em frente a uma câmera de vídeo por alguns minutos, enquanto a ansiedade subjetiva é medida com escalas de autoavaliação e os correlatos fisiológicos de ansiedade são registrados (frequência cardíaca, pressão arterial, condutância da pele). O CBD (300 mg), bem como as drogas ansiolíticas diazepam (10 mg) e ipsapirona (5 mg), administrado de modo duplo-cego, atenuou significativamente a ansiedade induzida pela SFP. O teste de SFP pode ser considerado um bom modelo de ansiedade e tem validade aparente para o transtorno de ansiedade social (TAS), pois o medo de falar em público é considerado uma característica central nessa condição. Portanto, o efeito ansiolítico do CBD em voluntários saudáveis observado nesse teste levou à hipótese de que esse canabinoide poderia ser eficaz para tratar o TAS. Essa hipótese foi recentemente testada em 24 pacientes com TAS que tiveram seus desempenhos no teste de SFP comparados àqueles de um grupo de 12 controles saudáveis.33 Os pacientes com TAS foram divididos em dois grupos de 12, um dos quais recebeu 600 mg de CBD e o outro, placebo, em procedimento duplo-cego. Os resultados mostraram que os níveis de ansiedade, sintomas somáticos e autoavaliação negativa nos pacientes que receberam placebo foram maiores do que naqueles do grupo CBD que tiveram desempenhos semelhantes aos controles saudáveis em algumas medidas. Em outro estudo que investigou os efeitos do CBD sobre o fluxo sanguíneo cerebral regional (FSCr) em voluntários saudáveis, usando tomografia computadorizada por emissão de fóton único (SPECT), a ansiedade induzida pela SFP foi reduzida nos pacientes que receberam CBD.34 Nesse estudo, os pacientes receberam CBD (400 mg) ou placebo, em uma abordagem duplo-cega cruzada, em duas sessões experimentais com um intervalo de uma semana. O CBD reduziu significativamente a ansiedade subjetiva medida por escalas de avaliação, enquanto a atividade cerebral foi aumentada no giro hipocampal esquerdo e diminuída no complexo amígdala-hipocampo esquerdo, incluindo o giro fusiforme. Esse padrão de resultados na SPECT é compatível com uma ação ansiolítica. A SPECT também foi usada posteriormente para investigar os correlatos neurais dos efeitos ansiolíticos do CBD em uma amostra de pacientes com TAS. Uma única dose de CBD (400 mg) conseguiu reduzir as medidas de ansiedade subjetiva e a SPECT mostrou alterações nas mesmas regiões previamente identificadas nos voluntários saudáveis. A ressonância magnética funcional (RMf), que permite a aquisição de uma série maior de imagens com melhor resolução temporal e espacial, foi usada para investigar os correlatos neurais dos efeitos ansiolíticos do CBD em 15 voluntários saudáveis. Esse experimento mostrou que o CBD (600 mg) atenuou as respostas observadas na RMf durante o reconhecimento das expressões faciais de medo na amígdala e no cíngulo anterior, e que esse padrão de atenuação correlacionou com as respostas da condutância da pele aos estímulos. O mesmo grupo também relatou que a ação ansiolítica do CBD ocorre pela alteração da conectividade subcortical pré-frontal via amígdala e cíngulo anterior.


Conclusão

Em conjunto, os resultados de estudos em animais de laboratório, voluntários saudáveis e pacientes com transtornos de ansiedade sustentam a proposta do CBD como uma nova droga com propriedades ansiolíticas. Como o CBD não tem efeitos psicoativos e não afeta a cognição, possui um perfil de segurança adequado, boa tolerabilidade, resultados positivos em testes com seres humanos e um amplo espectro de ações farmacológicas,36 esse composto canabinoide parece estar mais próximo de ter suas descobertas preliminares na ansiedade traduzidas para a prática clínica. Estudos futuros devem testar essa possibilidade em ensaios clínicos envolvendo pacientes com diferentes transtornos de ansiedade, especialmente os transtornos do pânico, obsessivo-compulsivo, de ansiedade social e pós-traumático. Além disso, como as ações do CBD são bifásicas, a janela terapêutica adequada para cada distúrbio de ansiedade ainda precisa ser determinada. Com relação ao mecanismo subjacente aos efeitos ansiolíticos do CBD, as evidências mais consistentes apontam para o envolvimento do sistema serotoninérgico, provavelmente através da ação direta dos receptores 5-HT1A, embora outros sistemas, como o próprio sistema endocanabinoide, também podem estar envolvidos. Estudos complementares são necessários para esclarecer essas questões, especialmente se considerarmos que o CBD é uma droga com uma variedade de efeitos no sistema nervoso.


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